"A diferença entre aquela sexta e a da semana passada não era apenas a chuva. Se bem que, pensando bem, o tempo até poderia refletir seu espírito se fosse comparar os dois dias. Na semana que passou, havia sol, céu azul. Tudo parecia um pouco mais colorido à luz solar e ela parecia mais bonita. Naquele dia, no entanto, não havia motivos para sorrir. A sandália que havia colocado não combinava com a água que caía, deixava seus pés molhados e o humor, péssimo.
Pensava nele. Pensava em no quanto ele reservava atenção para outras pessoas, em especial para seus amigos (e amigas) e tão pouco sobrava para ela. Na verdade, precisava colocar de vez na cabeça a idéia de que, para ela, ele só reservaria isso mesmo: alguns sorrisos quando tentava seduzi-la. Nas outras ocasiões, mostraria-se preocupado, atencioso, gentil, apenas com aqueles poucos escolhidos que eram definidos por ele como pessoas interessantes. Grupo do qual, definitivamente, ela não fazia parte.
Pensava sobre isso enquanto abria a porta de casa. Da casa para o trabalho, do trabalho para casa. Havia dirigido remoendo a frustração de estar sozinha em mais um final de semana, querendo tanto alguém que, ela sabia, também estava sozinho. Nada fazia muito sentido, mas, pelo menos naquele momento, uma coisa a confortava – iria entrar, tomar um banho e dormir. Nem ligaria a TV, desligaria o telefone e apagaria a si mesma antes das nove. Assim, a noite passaria mais rápido e, quem sabe, o fim de semana.
Isso se ela conseguisse entrar.
Alguma coisa havia se instalado no vão entre a porta e o chão, impedindo a porta de se mover mais que uns 10 centímetros.
- Não, não, não...
Ela se abaixou e tentou enfiar um papel embaixo da porta, um espelho, coisas de pequeno porte que havia na sua bolsa, mas o objeto, seja lá o que fosse, estava irredutível. Encostou a cabeça e teve vontade de chorar. Por não conseguir entrar em casa. Pelo péssimo desempenho em conduzir sua paixão."
CONTINUA....