terça-feira, setembro 16, 2003
Entrevista? Mate a pau!
Quer mesmo o emprego? Então aprenda a dar respostas quase cretinas para perguntas francamente imbecis
Por Max Gehringer
Sair-se bem em uma entrevista é a capacidade – que raras pessoas têm – de dar respostas bem temperadas a perguntas insossas. Por exemplo:
– O que você sabe sobre a nossa empresa?
– Bom, ao ler o último relatório anual de vocês, eu pude notar que os indicadores financeiros de desempenho mostram uma clara tendência a...
– Você acredita em vida após a morte?
– Hã?
Embora não pareça, a primeira resposta do candidato foi desastrosa. Porque ele, acintosamente e sem pensar nas conseqüências, invadiu uma área extremamente perigosa, chamada Região de Ignorância do Entrevistador. Evidentemente, o entrevistador não havia lido o relatório anual da própria empresa e não tinha a mínima intenção de ser humilhado por um pentelho bem preparado para uma entrevista. Mas, como o entrevistador sempre tende a relevar a primeira pisada, o candidato ganha mais uma chance...
– Eu perguntei se você acredita em vida após a morte.
– Isso faz parte do pacote de benefícios?
Perfeito! A resposta induz o entrevistador a pensar que está diante de um desqualificado mental. A partir daí, fica estabelecido quem é o gênio e quem é o debilóide, e a entrevista tem tudo para ser um sucesso.
– Se você vier a trabalhar conosco, quais são suas expectativas?
– Ah, eu sou ambicioso, quero chegar a CEO da empresa!
Aí o entrevistador, que está na empresa há 18 anos e cuja máxima realização pessoal foi a de ter sido agraciado com um button – que ele chama de “bóton” e ostenta orgulhosamente na lapela do paletó –, se põe a lembrar... Aquela inesquecível cerimônia foi a última vez em que o CEO apertou a mão dele. E já lá vão quatro anos... E, após tanto tempo de dedicação, ele ainda estava ali, na mesma mesa, sobre a qual repousava o mesmo grampeador (Ativo Imobilizado 004-A) que ele requisitara do almoxarifado em 1988. E agora lhe aparece um candidato descarado querendo chegar a CEO! Portanto, volta o filme:
– Se você vier a trabalhar conosco, quais são suas expectativas?
– São de, no futuro, atingir uma posição igual à sua. Mas, para isso, sei que vou ter de dar o máximo de mim, todos os dias.
– Certo, certo. Aceita um cafezinho?
Em linguagem de entrevista, “Aceita um cafezinho?” significa “Você está indo bem, portanto não apele para recursos abomináveis, como o uso da inteligência”.
– Fale-me sobre alguma situação que você tenha resolvido usando sua criatividade.
– Claro, claro... Tem uma que é ótima. Quando eu estava em Harvard... Aliás, não sei se já mencionei que fiz MBA lá... Bom, então, teve uma aula de Business Furunculosis em que o professor, o famoso Doctor Alphonse Johnstone...
– Prefiro que você mencione alguma experiência prática.
Ou seja, diploma não é experiência prática. Deve ficar confinado ao currículo e nunca, jamais, ser mencionado em público. Além disso, o candidato falhou em um ponto crucial: ele não analisou detidamente a sala quando entrou. Se tivesse feito isso, teria notado que, na estante atrás do entrevistador, estavam enfileirados 87 Manuais de Normas e Regulamentos. Criatividade, ali, naque- le recinto, só entraria com mandado de segurança.
– Você prefere trabalhar individualmente ou em equipe?
Individualmente, claro! Quem gosta de trabalhar em equipe chega no máximo a supervisor. Mas a resposta mais sincera nem sempre é a mais adequada. Por isso, antes de responder, o candidato deve olhar para a mesa do entrevistador. Ela está atulhada de papéis? E alguns parecem estar ali desde a Proclamação da República? Nesse caso, o entrevistador é individualista e desorganizado. A mesa está limpinha? Então ele também é individualista, mas tem uma equipe que faz tudo por ele. No segundo caso, a resposta é: “Eu prefiro trabalhar com quem sabe delegar”. E, no primeiro caso:
– Um dia espero poder chegar a ser um individualista. Mas, por enquanto, sei que vou contribuir muito mais se trabalhar em equipe.
– Sei. Quer uma água, ou qualquer coisa?
Tradução: “Você está no caminho certo. Controle-se, que só faltam duas perguntas”.
– Qual é o seu maior defeito?
A resposta mais honesta seria “Por ordem alfabética?”, já que a lista de defeitos do candidato daria para encher as Páginas Amarelas. Mas o entrevistador está bem ciente de que jamais ouvirá uma confissão do tipo “Tenho chulé” ou “Sou preguiçoso”. Ele está apenas testando a habilidade do candidato de transformar um defeito em virtude.
– Ansiedade. Sofro muito quando as coisas não são feitas com rapidez.
Fantástica resposta. Além de inofensiva, totalmente inócua. E aí vem a derradeira pergunta, que fecha a entrevista com chave de ouro:
– Há algo que você queira me perguntar?
Sim, claro que há. Por exemplo: “Estive notando o corte de seu terno. Seu alfaiate é disléxico?” Mas é nesse momento que o candidato mostra seu grau de autocontrole.
– Eu gostaria de saber um pouco de sua história aqui na empresa, porque tenho certeza de que ela me será de grande inspiração.
Entrevista é isso. Mais que saber responder, é saber observar. Quanto às perguntas, existem para elas respostas verdadeiras e respostas adequadas. O candidato ideal é o que faz as respostas adequadas soarem verdadeiras.
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