PISANDO NA SAPUCAÍ – PARTE IDe onde surgiu isso?Tudo começou quando, numa tarde modorrenta de novembro do ano passado, Veia Saltada mandou um inocente e-mail para mim, Medulinha, Noiva do Ano e Kátia Lisa. Dizia o seguinte: “Querem desfilar na escola Sbbrubles? Tenho como conseguir fantasia de graça”. De graça. De graça. Desgraça. Já repararam como essas duas palavrinhas ficam ecoando na nossa cabeça? Claro que eu ia querer. Claro que todo mundo quis. O povo paga muitos dinheiros pra desfilar no carnaval, a não ser que seja da “comunidade”. Como eu não sou da comunidade e nem nunca ia pagar por isso, vislumbrei a oportunidade de ter a experiência.
Logo na semana seguinte, descobri que tinha arrumado um compromisso semanal, todas as quintas-feiras: o ensaio da escola de samba. Sendo que isso era novembro, faltando três meses pro carnaval. E era um compromisso sério: quem faltasse mais de três vezes seria cortado. Decidi encarar. No terceiro ensaio, eu já sabia o samba de cor e não precisava mais ir. Lá pelo quinto ensaio, eu estava farta e ainda faltavam dois meses.
Os ensaios até eram animados, mas na maior parte do tempo era um estresse. Eles faziam chamada no início e no final, então a gente tinha que chegar cedo, senão depois tinha que implorar ao coordenador de ala pra não dar só meia presença. O problema é que, quando os ensaios começaram a ser na rua e não na quadra, eles marcavam uma hora e o ensaio só começava umas três horas depois. Três horas que a gente ficava lá em pé, sem fazer LADA. Tínhamos medo de chegar mais tarde no próximo ensaio e acabar não pegando a tal presença do início, daí fazíamos intrincados cálculos mentais bolando estratégias para encontrar um meio termo, algo nem tão cedo que mofássemos e nem tão tarde que atrasássemos. Mais ou menos pelo penúltimo ensaio, em fevereiro, chegamos mais ou menos perto desse horário X ideal.
Os ensaiosAs primeiras e as últimas filas da ala precisam ficar arrumadas, todo mundo na mesma linha, porque elas marcam o limite de cada ala. As pessoas que ficam nessas filas, teoricamente, deveriam se preocupar com isso. Mas, na prática, é uma zona, e o pessoal da harmonia fica gritando com a gente enlouquecido. Quando a ala é muito ruim, eles marcam ensaio extra, como castigo. Os coordenadores de ala dizem que quem não está nem na primeira nem na última fila pode ficar solto, circulando, mas não pode ir pra trás e nem pra frente, só pro lado. É fisicamente impossível fazer um círculo e não ir pra frente e pra trás e aí, adivinha? Fica tudo uma zona e eles gritam com a gente novamente. Mas o pior não é isso. O pior são umas pessoas que desfilam há 98 anos, conhecem todo mundo da escola e por isso acham que podem perceber o que está errado e mandar nos outros componentes. Geralmente, são umas velhas malucas que não têm a menor noção do que estão fazendo e só atrapalham, mas todos fazem vista grossa porque elas são as velhas malucas da comunidade. Elas empurram no meio do ensaio, mandam a pessoa circular, resmungam... vocês podem imaginar que esta era uma ótima forma de passar as minhas noites de quinta.
A parte divertida dos ensaios era que, um dia, eles iam acabar. Eu tinha fé que o Carnaval um dia ainda ia chegar. O problema é que em janeiro a coisa ficou pior, porque eram DOIS ensaios por semana e não apenas um. Gente, foram muitos ensaios, muitos. E tinha o mistério de que, a cada ensaio, aparecia uma pessoa nova na ala. Como entrava gente nova, se não podia faltar, se eu estava ensaiando desde novembro? Era estranho, mas chegou num ponto em que a gente não queria arriscar faltar e ver no que ia dar. Era uma questão de honra: a gente ia desfilar. Ser cortado depois de dois meses de ensaios não era uma hipótese.
(CONTINUA...)