Quando a vida trata bemFui fazer as unhas outro dia num salão aqui perto de casa. De óculos, cabelo todo desgrenhado e a primeira roupa que eu vi pela frente, já que eu tinha acabado de acordar e não ia pegar bem ir de camisola, porque se pegasse eu ia de camisola mesmo pra dar menos trabalho. Chego no salão e avisto ela. A mulher que a vida trata bem.
Sim, ela estava lá, sentada feito uma rainha, numa poltrona que não ofereceram pra mim. Tinha os cabelos lisos loiros, os olhos claros, vestia alguma coisa que com certeza estava ainda na vitrine de alguma loja. Um milhão de acessórios, colares, brincos cintilantes que cegavam meus olhos. Fiquei hipnotizada. Ela fazia as unhas das mãos e dos pés e várias pessoas a bajulavam. Certamente, aquela pessoa morou na Zona Sul a vida inteira, e de frente pra praia. Eu, daqui a 20 anos na Zona Sul, sempre serei mulamba. Porque quem nasceu pra repolho nunca chega a couve flor.
Ela reclamava de umas unhas do pé que estavam incomodando. HA HA. Pensei, triunfante, que, como eu nunca fiz as unhas do pé, elas nunca me incomodaram. E meus pés são lindos. Ponto pra mim nesse quesito. Mas de resto... estava lá, a pachá, sendo servida.
De repente, entra o marido, com um carrinho de bebê. Tá de sacanagem. Além de ser bem tratada, a mulher ainda pariu um criatura rósea linda, de olhos claros como os dela. O marido era um tipão, alto, grisalho, mas jovem. Deve jogar tênis.
Quando eu estava prestes a cometer o pecado da inveja, eis que a verdade se revela. Alguém pergunta se os olhos da bebê são verdes e o marido dispara: "Não! É lente!" E ele mesmo ri. Super autossuficente, saca? Ele faz a piada, ele mesmo ri. Aí alguém diz: "Mas como ela está grande!" E ele cospe: "É que a minha mulher põe fermento no leite do peito. Fermento! Pó Royal, sabem, sabem? ha ha ha". Jesus. Foi me dando um negócio. Um nervosinho. Um TOC. O homem não parava. Depois dessa, ele ainda fez várias outras piadas amarelas do mesmo calibre. Cada uma atingia os meus ouvidos igual a papel higiênico embebido em ácido. Estava tudo corroído. E a mulher dele lá, rindo de tudo, sei lá se achando engraçado ou se conformando. Aí eu pensei que é por isso que eu não caso, porque eu já teria me atirado do apartamento de frente pra praia se tivesse que conviver com o tipão. E fui pra casa mulamba, de óculos, com as unhas azul marinho impecáveis. E feliz como o pessoal do No Limite quando ganha saco de arroz.