Traumas portuguesesTarde modorrenta em Massambaba. Depois de tostar na praia por toda a manhã, eu espero placidamente Papai Joselito acabar de tostar linguiça, coração, salsichão, frango e carne de carne na churrasqueira, meu estômago não tão plácido assim. Ni qui passa um carro na nossa rua (fato raro até nas semanas de fim de ano). Para na nossa porta. Uma tia sai lá de dentro e chama. Naturalmente quem vai é Papai, porque eu estou muito ocupada aguardando a comida que ele está preparando.
A moça tinha na carroceria do carro uns "podruto" e tentava vendê-los a Papai, que começa a repetir em looping "não, não precisamos", "não, não queremos", "não, vai embora daqui soon" e suas variações. Acho um pouco estranho, porque ele costuma ser mais sociável, apesar de ser meu pai. Quando finalmente consegue despachar a vendedora, ele volta e sentencia:
- Isso aí é cigano.
E então me conta uma história de quando ele era pequeno, que apareceram uns ciganos lá em Portugal vendendo uns tecidos, a mãe dele deixou entrar e depois não pôde dizer que não ia comprar nada, porque eles falavam que, como ela tinha demonstrado interesse, ia ter que comprar. Contou isso com os olhos traumatizados esbugalhados, reclamando que, ainda por cima, a mulher que apareceu na nossa porta estava em uma Hilux ("Esse carro custa mais de 50 mil!" ele repetia, revoltado, e eu nem conhecia o carro porque pra mim, andou e tem alguém pra dirigir pra mim, está ótimo).
Quando eu penso que aos meus 33 anos não poderia haver nenhuma história nova de Papai, me surpreendo. Vai ver que é por isso que ele queria que eu fosse sapateira, porque sapateiro não vende nada, só conserta.