EU E O PERU - PARTE FINALO bolinho muito rústicoNo trem da volta de Machu Picchu, três farrapinhos humanos receberam o lanchinho do trem. Vinha em uma caixinha linda, que eles entregaram pra gente aberta, como que pra mostrar com orgulho o que tinha lá dentro. Era um sanduíche e um bolinho. Tá bom. Bom, booom, não estava, né, mas tava bom. Ainda mais que tínhamos Inca Kola (nossa paixão: um refrigerante amarelo com gosto de tutti-fruti produzido com drogas, provavelmente coca) pra beber junto.
O sanduíche estava gostoso, então eu estava lá, aproveitando meu lanche, quando Veia vira pra mim e fala:
- Será que esse bolinho é bom? Estou com medo de comer o sanduíche e deixar o bolo pro final. Se o bolo for ruim, vou ficar com o gosto dele na boca.
Vejam como a mente da pessoa pode arrumar complicação até em uma viagem de férias. Que tudo tem que ser milimetricamente calculado. Até o gosto que vai ficar na boca durante a viagem.
Aí ele fez o pedido:
- Você não quer provar o bolo, não, pra ver se é bom?
Sintam a folga da pessoa. Mas pensando bem... que mal havia em provar o bolo? Afinal, eu ia comer mesmo. O quanto um bolo pode ser ruim? No máximo, ia ter um gosto doce geral. Então, dei uma mordida...
E o bolo era de COCA! Taqueopariu! Imaginem socarem um monte de folhas de chá verde, misturarem açúcar, fazerem uma pasta e colocarem recheando um bolo? Era a mesma coisa! Discretamente, eu sinalizei para Veia que o bolo era ruim:
- AAHHHHHHHHHHHHHHH Esse negócio é HORRÍVEL! Não come isso!
Acho que não me fiz entender, porque ele imediatamente...provou um pedaço do bolo. E viu que era mesmo ruim. Eu, hein.
Aquela não seria a última vez que receberíamos um bolinho esquisito. No avião voltando de Cuzco pra Lima, recebemos uma caixinha com outro bolinho suspeito. Eu provei aquilo e imediatamente achei que tinha cheiro e gosto de coca, igualzinho o do trem. Até que Veia disse que o dele tinha cheiro de maresia e gosto de peixe, eu disse que não, que era de coca, mas quando cheirei o dele vi que parecia peixe mesmo. O que está acontecendo com os mundo? Que tipo de povo faz doce de coca e de peixe? Ainda bem que existia a Inca Kola. Que deixa tudo com um delicioso gosto de tutti-fruti com corante amarelo.
Cuy e a garçonete do mundo bizarroAntes de voltar pra Lima, conhecemos Cuzco. Andamos, andamos e andamos e tiramos mais muitas outras fotos. O almoço foi CUY. Fomos ao Peru, comer cuy. Tudo com muito duplo sentido. O cuy era porquinho da índia, um troço que tem muito pouca carne e parece frango.
Chegando em Lima novamente, fomos pra night (leia-se jantar e depois comprar um monte de cerveja pra beber no quarto). O restaurante era um típico peruano que vendia ceviche, que vem a ser peixe cru temperado com limão. Como essa parada era A comida do Peru, a gente tinha que experimentar, assim como o CUY (ui) e o chá de coca (e seus derivados).
O tal restaurante tinha garçonetes do mundo bizarro. Na porta, uma menina muito simpática entoava o canto da sereia, tratando as pessoas muito bem até que elas entravam e sentavam. A partir daí, elas estavam abandonadas à própria sorte. Que se salvasse quem pudesse. Era a fuga das galinhas. Ou dos cuys.
Depois de esperarmos muitas horas, pedimos o tal ceviche e as nossas bebidas. Veia pediu uma Coca Zero e depois de mais muuuitas horas, de ele ter que perguntar pelo refrigerante, pedir de novo, ela veio dizendo que não tinha Coca Zero. Ele então disse que ela podia trazer normal. Mais muitas outras horas, eu e Medulinha já na metade da sangria e nada da Coca. Depois de pedir pra mais umas três garçonetes do mundo bizarro, a veia de Veia já saltando, ele vira e fala:
- Agora ela vem trazendo uma Coca Zero.
Achei que eles estivesse brincando, algo como “agora só falta ela trazer uma Coca Zero”, mas não, a mulher vinha realmente com uma Coca Zero, aquela que não tinha. Depois veio a comida, mas não vieram pratos. Pedimos pratos e nada, óbvio. Muuuuito tempo depois vemos a mulher parada, olhando para o nada, e nossos pratos não vinham. Pedimos novamente, ela fez uma cara de que tinha lembrado do pedido naquele momento, pegou os pratos na mesa que estava do lado dela e deu pra gente. Mas o melhor foi na hora da conta. Pedimos a conta e - claro - nada aconteceu. Depois de muito tempo ela volta, olha pra gente e fala:
- Ainda não trouxeram a conta de vocês???
Com um ar super-indignado, como se fosse um absurdo estarmos sendo tão mal atendidos. Aí dissemos que não tinham trazido, ela olhou pra bandeja que estava segurando, viu um papel e... era a nossa conta, na bandeja dela! Ela não percebido que a conta estava lá! As nossas gargalhadas explodiram na cara da mulher, que, coitada, saiu de fininho. Claro que a simpática da porta não vê essas coisas.
No dia seguinte ao ceviche e às cervejas no albergue, passeamos um pouquinho por Miraflores, onde ficamos hospedados, mas logo tivemos que partir para o aeroporto, para o nosso dia inteiro de viagem. Saímos às 10h, porque o voo era 12h30. Chegamos em São Paulo às 18h30 (são 5 horas de viagem, mas tinha a diferença de fuso). Mais duas horas esperando a conexão, resumindo, chegamos no Rio quase meia-noite. Novamente, pobre é foda. Ainda bem que eu tive uma semana de férias pra descansar - e passar mal do estômago, não entendo por que - em Massambaba.
EU E O PERU - PARTE IIA chegada no aeroporto de Cusco, cidade onde se desembarca de avião pra ir a Machu Picchu, só não foi decepcionante porque, pela primeira vez, vi neve. Tá, era lá longe, no topo de montanhas com nevezinha, mas não importa, porque eu nunca tinha visto, então fiquei que nem boba. Digo que seria decepcionante porque eu esperava uma descida nas montanhas igual no filme Vivos, saca, o avião passando por entre as montanhas em voos rasantes quase derrubando todo mundo de lá de cima, o avião caindo e todos tendo que comer carne humana pra sobreviver. As pessoas na internet falam que essa descida dá medo, então eu não esperava nada menos do que isso. Queria sentir medo e não senti la-da. Daí que ainda bem que tinha as montanhas com neve pra animar.
CocaNesse dia, utilizamos todos os meios de transportes para chegar a Machu Picchu. Do aeroporto, pegamos um táxi e fizemos uma viagem de uma hora e meia até chegar a Ollantaytambo, a cidadezinha onde ficaríamos hospedados. Deixamos nossas coisas no albergue, pegamos um trem (mais uma hora e blau e outra decepção, diga-se de passagem, porque disseram que a viagem de trem era linda e foi só chata e demorada) e depois um ônibus pra chegar no parque onde tem as ruínas. Essa agência de viagens que eu contratei (Veia saltada e Medulinha Inc. ) adora uma aventura. Antes de pegar o trem, tomamos um café da manhã reforçado com... chá de coca! Fala sério, a gente chega lá querendo tomar chá de coca e ver até elefantes indianos voando nos céus do Peru. Na verdade, o troço é pra ajudar a encarar a altitude, uma bobagem de cerca de 4 mil metros. É incrível como a gente fica sem fôlego se começa a falar muito. Então calei a boca. Ou andava, ou falava. Também me senti um pouco aérea e jurei que era por causa do chá (o maldito chá TINHA que dar alguma onda), mas acho que era a altitude mesmo. As cervejas que tomamos no fim daquele dia num bar que era só nosso deram muito mais barato.
Lhamas locasMachu Picchu. Machu Picchu é um lugar para se ver na vida. A primeira visão que se tem das ruínas é de tirar o fôlego. Tudo é enorme, grandioso, alto, lindíssimo. Nós três concordamos que não sentimos uma “energia” (uma coisa assim zen-cabeça-zuuupertendenzia) que esperávamos sentir, mas não importa. É bonito, é deslumbrante, vale a visita.
Passeávamos, então tirando foto de cada pedra, ni qui vemos quem? Elas, finalmente. As lhamas. Minutos antes comentávamos que era frustrante não ver nenhuma lhama de verdade, já que elas estão desenhadas em todos os lugares, e que por isso deveriam soltar umas nas ruínas pra enfeitar, nem que fossem de circo. Foi o que fizeram. Lá estavam elas, correndo alegremente por entre os turistas, sendo fotografadas, tudo na mais perfeita ordem. Já estávamos assim acostumados com elas, sabe, passeando com a gente, todo mundo junto... Quando, passando por um caminho estreito avistamos lá de longe uma lhama endemoniada correndo a uma velocidade inexplicável. Na nossa direção. Do nosso lado esquerdo tinha uma paredão com o quê? Pedras. Do lado direito era um barranco. Não tinha espaço pra gente e a lhama. E ela vinha correndo, surtada, lo-ca. Na fração de segundos em que tudo isso aconteceu, quando achávamos que a única opção seria sair correndo da lhama, que corria muito mais que a gente, sei lá como Veia achou um recuo na parede de pedras e a gente se espremeu ali, esperando a lhama enfurecida passar correndo e rezando pra ela não resolver virar pro lado e acabar com a nossa existência. Olha, depois de quebrar o pé ao ser atropelada por uma bicicleta, só faltava ser atropelada por uma lhama. Ia ser o cúmulo da humilhação.
Como eu estou aqui, inteira, sem nenhum osso quebrado. Vocês podem imaginar que a lhama passou. Então no fim do dia, depois de tudo devidamente visitado e fotografado, três farrapinhos humanos embarcaram no trem de volta, porque esse passeio cansa, viu? Na viagem de trem eles serviram um lanchinho com um bolinho muito rústico...
(CONTINUA...)